Cozinha

“O melhor lugar da festa, é sempre a cozinha”. A expressão, popular em Minas Gerais, resume bem a importância que essa parte da casa tem para o povo mineiro. Pode-se dizer que a cozinha é sinônimo de acolhimento.

Até para o mais citadino dos mineiros, o cheiro de broa e café, misturado à lenha queimada acende boas memórias do interior. São essas lembranças de suas próprias andanças pelo estado que Felipe Abranches preserva ao registrar em tinta e papel a cena que ele mesmo vivenciou tantas vezes: o convite, muitas vezes de desconhecidos, para um cafezinho sentado à beira do fogão à lenha, acompanhado por um pão de queijo ou um bolo e um dedinho de prosa.

No registro feito pelo artista, a mulher à frente parece receber o visitante, enquanto o homem, no segundo plano, ajeita a madeira no fogo. Dois caldeirões de ferro fumegantes e as colheres de pau espalhadas dão à ideia de que estamos em meio à produção de alguma comida.

As duas cenas foram registradas em diferentes momentos – o homem em Cassiterita e a mulher na Serra do Cipó –, mas, assim compostas, transformam a nós, espectadores, em convidados da refeição vindoura, oferecida pelo casal que, na verdade, nunca o foi.

Ao representar a comida e a cozinha, o artista registra duas necessidades básicas do ser humano: o alimento e a habitação. Esta última retoma a inserção do componente arquitetônico na obra de Abranches, também visto em “Chegança” e “Fazenda”. Agora, porém, o que temos é a dimensão de “moradia” da casa. Se antes víamos as construções externamente, em “Cozinha” nos encontramos em seu interior, como parte do cotidiano de seus moradores.

A luz intensa ao fundo, nos telhados que ocupam o último plano da gravura, imita o efeito das máquinas fotográficas ao tentar “equilibrar” luminosidades muito distintas. Abranches joga com esse jogo de luzes imaginário para realçar a atmosfera soturna tão comum a esses ambientes tão paradoxais, onde as paredes marcadas pela fumaça e os intervalos de silêncio interrompidos apenas pelos estalidos da lenha contrastam com os momentos de festa, cheiros, sabores e prosa – todos eles vividos dentro da mesma cozinha.

Ficha técnica
Matriz em ferro de 39,5×25,2cm
Água-forte, água-tinta, brunidor, oxidação ao tempo
Fev/2008