Composta durante minucioso trabalho realizado ao longo de quase quatro anos, Chica Dona marca, em imagens, o processo de amadurecimento conceitual e de consolidação do repertório poético de Felipe Abranches. Exposto pela primeira vez em 12 de outubro de 2007, o conjunto, que a princípio não foi assim concebido, retrata um período de profunda reflexão por parte do artista sobre a relação entre os aspectos espirituais e terrenos.

O tema, recorrente na arte, assume traços regionais e figuras do imaginário local no trabalho realizado por Abranches. Um outro ponto singular nessa obra é a apropriação de bichos da fauna local, não apenas para a representação de suas formas, mas também por meio da ressignificação dos aspectos psicológicos relacionados a cada animal. Carcará, burros e lobo-guará somam-se às figuras humanas nessa rica narrativa que tem por objetivo recriar aquilo que Abranches considera como as características fundadoras do mineiro, um povo de trabalho e de fé, forjado pela vida entre serras.

As três cenas eleitas para o tríptico ao mesmo tempo em que remetem a percursos distintos, encontram-se e se mimetizam a partir do olhar do espectador. Os tropeiros de um lado, os mineiros de outro, e, ao centro, o casal e o lobo-guará são narrativas ao mesmo tempo completas e que se complementam para formar uma interessante matiz do mineiro, herdeiro dos muitos trabalhadores que, por séculos e séculos, cruzaram as montanhas de nosso estado montados em lombo de burro, levando consigo um pouco de comida, muitas crenças e a esperança de encontrar por seu caminho o precioso metal.