Cachoeira

Na fração que representa o lado espiritual, Felipe Abranches opta por uma composição povoada por elementos que fazem alusão ao céu e às alturas. A árvore, cujas raízes estão fincadas em “Cerrado”, finalmente revela sua exuberância em “Cachoeira”.

Entre seus galhos, vê-se pousado um imponente carcará, ave de rapina brasileira conhecida por subir alto em seus voos e caçadas. O carcará, que de cima tudo observa, é considerado por culturas xamânicas como o símbolo da visão dos líderes espirituais. A palavra “auspícios” vem do latim avis spicuos (visão das aves). Ao voar alto como as aves, os líderes espirituais seriam capazes de realizar profecias e enxergar coisas que apenas eles podem ver, sejam elas boas ou más. Além dos augúrios, a ave também alude à busca pela liberdade.

Ao fundo, surge a cachoeira, lançando do alto suas águas sobre as rochas do leito do rio. À frente, dois homens com suas batias vasculham as águas do riacho em busca de ouro, indiferentes à majestosa queda d’água. Mineral precioso, o ouro é tradicionalmente usado como oferenda às divindades em várias religiões, e é, por isso, lembrado no terço da gravura dedicado ao divino.

Assim como ocorre na composição “Tropeiragem”, as linhas do último plano de “Cachoeira” também dão continuidade ao contorno da paisagem do cerrado. Dessa vez, o campo sem muita vegetação da imagem central transforma-se no contorno da mata fechada no topo da cachoeira.